Com o seu percurso expositivo, REFLEXO DISTANTE nos apresenta um conjunto de recentes trabalhos realizados a partir de impressões fotográficas e vídeos, marcados por uma rede de reações variáveis, como se houvessem sido primeiramente desenhados, projetados e construídos em maquete, com a mais fina linha de derretimento de neve das cadeias montanhosas alpinas, por esse motor social anacrônico e atemporal, que é a memória.

Deambulando por REFLEXO DISTANTE, percebe-se logo uma coleção de outra coleção de paisagens postais (ao redor de 300 em seu formato original), em que podemos avistar nas obras de Marina Camargo, um aceno para que não nos esqueçamos de manter o espírito de nossa época renovado por um agudo sentimento inspirado- aqui, agora e imageticamente-, pela natureza. Em exibição, alusões de sentido saltam associativamente das paredes da mostra dentro de nosso olhar: cenas icônicas do romantismo alemão, inseridas na história da arte pelo pintor Caspar David Friedrich (1774-1840), juntam-se a fotografias de livros antigos folheados em sebos esquecidos que retratam o Zugspitze (o pico alpino alemão mais elevado), sobrepostos a camadas de cartões-postais das Dolomitas (a cadeia alpina italiana)- antes vistos somente e talvez em um mercado de pulgas qualquer, desaparecidos de alguma cidade incerta. Ou até mesmo como uma espécie de complemento contraditório, que pode fazer irromper lembranças de trechos de Moloch, o filme de Aleksandr Sokurov (1999), que recria por ficção, o caso amoroso vivido por Eva Braun e Adolf Hitler, em encontros de convívio íntimo, ambientados na célebre Kehlsteinhaus (chalé na fronteira dos alpes alemães e austríacos, mais conhecido como o Ninho da Águia, e que serviu de local de retiro oficial para Hitler, durante a II Guerra Mundial).

Oblivion (2010) e Reflexo Distante (2013)

Os trabalhos de Marina Camargo, em especial Alpenprojekt (2011) e Alpenprojekt II (2013), respondem a um contexto específico de pensamento visual e produção, baseados na relação entre os lugares onde vivemos, com os livros que lemos, e as paisagens que vimos. Diante do colosso de cada montanha escolhida, a artista reservou em sua prática laboral realizada contemplativamente, o tempo e lugar da meditação como atitude, ao tentar inicialmente desenhar, recortar, enfim, conservar para si e para o mundo, a concepção de mutabilidade das linhas que de fato não existem espacialmente e nem temporalmente: o horizonte.

Tal qual nas séries anteriores dos trabalhos de Marina Camargo, mapas urbanísticos com letras e focos de luz formando raros textos e cartas estelares (Some air in between, 2011 e Mapa II (Porto Alegre), 2009) e manuais de instruções com desenhos técnicos (Lições de Escultura- Brancusi no Ar, 2002 e Sentimentos Distraídos, 2006), compõem seus processos artísticos, que assumem um desejo de intervir na realidade (landscape architecture), de conseguir mostrar o próprio ponto de vista no campo da pesquisa do seu interesse por excelência- o estudo paisagístico natural-urbano.

REFLEXO DISTANTE convida o visitante a aceitar prestar atenção ao significado da palavra-verbo ‘Bergwandern’, que traduzida livremente do alemão quer dizer “passear a pé pelas montanhas”. Um passeio em que descobrimos reveladas algumas imagens imemoriais, ainda que permaneçam sem ser ao todo desvendadas.


Texto escrito para a exposição REFLEXO DISTANTE, de Marina Camargo, na galeria Bolsa de Arte (Porto Alegre), em Outubro de 2013.